Tuesday, February 22, 2005

Mors-Amor

Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a Morte!
"Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

Antero de Quental


Wednesday, February 16, 2005

Estranho é o sono que não te devolve.

Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
de quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
de quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde.
Como é amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.


Daniel Faria

Explicação das Árvores e de Outros Animais, 1998

uma expiração como qualquer outra

Manter-te aqui hoje, nesta noite eterna seria apenas mais um doce enleio, devaneio de querer-te mais um dia, desvario de te ter nesse suave e terno abraço que me amaldiçoa e me retém, no mesmo lugar, continuamente... infinitamente... até ao fim dos tempos!




Tuesday, February 15, 2005

expiração do dia a seguir




"Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!"

David Mourao Ferreira

Thursday, February 10, 2005

expiração primeira

Querer-te hoje, é como querer-te ontem...
Com ânsia! Demasiado tarde para te esquecer...
Cedo ainda para te perder!

Depois do embalo o sono para sonhar-te!

Ah!











Inédito - António Ramos Rosa





Poema Inédito
(Domingo, 17 de Outubro de 2004, in Público )

O espaço do olhar é tão claro e aberto
que nós estamos no mundo antes de o pensarmos
e nada nele indica que exista um outro lado
de sombras incertas de silêncios abismais
Vivemos no seio da luz onde o inteiro vibra
com a sua evidência de claro planeta
e ainda que divididos vivemos no seu espaço uno
porque é o único em que podemos respirar
As nossas sombras não nos acolhem como folhas
envolvendo o fruto o nosso desamparo vem de mais fundo
e nele não podemos manter-nos temos de ascender
ao móvel girassol do nosso olhar
ainda que seja só para ver a fulva monotonia do deserto
A vocação da pupila é o imediato universal
quer caminhemos numa rua quer viajemos pelo mundo
quer ainda diante de uma página em branco
A palavra pode anteceder a visão mas também ela é atraída
para o luminoso espaço em que desenha os seus contornos
Como poderia a palavra fingir o que lhe foge
sem a superfície de um solo iluminado?


António Ramos Rosa